Gravidez tardia: como uma brasileira se tornou mãe aos 63 anos e o que a ciência explica

A gravidez tardia ganhou os holofotes outra vez quando Doralice de Souza, de 63 anos, deu à luz seu primeiro filho após menopausa e laqueadura, um cenário que muitos especialistas classificariam como “quase impossível”. O caso, veiculado pelo g1, instiga curiosidade e traz reflexões sobre até onde a medicina reprodutiva pode ir, quais são os riscos envolvidos e como se dá o acolhimento psicológico de mães que decidem engravidar após os 40, 50 ou, como no exemplo em pauta, depois dos 60. Neste artigo, você vai entender em detalhes como a biologia da menopausa foi contornada, quais tecnologias foram empregadas, quais são os impactos sociais e éticos de uma decisão tão incomum e, sobretudo, quais são as lições práticas para mulheres que sonham em ser mães independentemente da idade biológica.

O caso inspirador de Doralice: superando menopausa e laqueadura

Doralice descobriu a gravidez aos 62 anos, depois de ter passado 12 anos na menopausa e quase 30 anos da laqueadura. O resultado: um parto natural aos 63, coroando décadas de expectativa frustrada. Segundo entrevista concedida ao g1, tudo começou com uma suspeita de mioma, mas exames revelaram um feto de 22 semanas. A família, que já havia descartado a possibilidade de filhos, precisou se reorganizar moral, emocional e financeiramente para receber o bebê. A gestante encarou um pré-natal considerado de alto risco, monitorado por uma equipe multidisciplinar envolvendo obstetra, cardiologista, nutricionista e psicólogo.

Do ponto de vista médico, o evento desafia duas barreiras clássicas:
(1) a ausência de óvulos viáveis após a menopausa, que teoricamente inviabilizaria a gestação natural;
(2) a interrupção anatômica das tubas uterinas, que impede o encontro de óvulo e espermatozoide. Mesmo com essas limitações, a ciência já documentou raríssimos casos de “retorno da fertilidade” depois de laqueadura, sobretudo quando o procedimento foi parcial ou quando existe recanalização espontânea. Ainda assim, a estatística é menor que 0,3 %, o que explica a repercussão nacional do caso.

A história de Doralice ainda ecoa pela dimensão social: ser mãe na terceira idade implica redefinir papéis de cuidado e revisar planos de aposentadoria. Ao mesmo tempo, reforça a mensagem de que desejo reprodutivo não tem prazo de validade — e que, muitas vezes, a biologia encontra atalhos surpreendentes.

Panorama da gravidez tardia no Brasil e no mundo

Evolução das estatísticas

A gravidez tardia deixou de ser exceção. Dados do Ministério da Saúde indicam que, nos últimos 20 anos, o número de partos em mulheres com mais de 40 anos cresceu 55 % no Brasil. Nos EUA, os Centers for Disease Control (CDC) revelam aumento de 3 % ao ano no grupo 40-44 e de 1 % ao ano no grupo 45-49. O acesso à fertilização in vitro (FIV) e à ovodoação explica boa parte dessa curva ascendente, mas também pesam fatores socioculturais: ascensão feminina no mercado de trabalho, adiamento do casamento e maior expectativa de vida.

Tabela comparativa de indicadores

Faixa etária materna Taxa de nascimentos/1.000 (Brasil, 2022) Probabilidade de anomalias cromossômicas
20-24 anos 68 1:1.480
25-29 anos 79 1:940
30-34 anos 70 1:420
35-39 anos 44 1:200
40-44 anos 11 1:85
45-49 anos 1,2 1:35
50+ anos 0,3 1:20
Fato rápido: No Brasil, cerca de 2 % dos ciclos de FIV são realizados em mulheres com 50 anos ou mais, mas menos de 0,5 % resultam em parto bem-sucedido de termo.

Desafios médicos: menopausa, laqueadura e tecnologias de reprodução assistida

Menopausa: o relógio biológico em detalhe

A menopausa corresponde ao fim dos ciclos ovulatórios, com média de ocorrência aos 50 anos. Tecnicamente, não há óvulos aptos a serem fecundados, pois o estoque folicular se esgota. Em gestações após essa fase, geralmente recorre-se à ovodoação, na qual óvulos de doadoras jovens são fecundados em laboratório.

FIV, ICSI e transferência de embrião

Hoje, três técnicas concentram 95 % dos procedimentos em mulheres acima de 45 anos:

  1. FIV clássica – óvulo e espermatozoide incubados em placa.
  2. ICSI – injeção intracitoplasmática de espermatozoide, indicada quando a contagem espermática é baixa.
  3. Transferência de embrião congelado – viabiliza planejar o momento mais seguro para a gestação.

Reversão de laqueadura versus recanalização espontânea

Apesar de reversões cirúrgicas, a taxa de sucesso é de apenas 30-40 % em mulheres até 35 anos e despenca para menos de 5 % após os 45. O caso de Doralice, que não passou por reversão, reforça a raridade de uma recanalização espontânea após décadas.

“Tecnicamente, engravidar após a menopausa exige óvulo doado, útero bem preparado e suporte cardiovascular rigoroso. Quando isso ocorre naturalmente, consideramos um fenômeno estatístico equivalente a ganhar na loteria científica.”

Dr. Marcelo Syrio, ginecologista especialista em reprodução humana

Dica profissional: Antes de iniciar qualquer tratamento, peça avaliação de reserva ovariana (AMH) e risco cardiovascular completo. Mulheres acima dos 45 têm até 30 % de chance de hipertensão gestacional.

Aspectos éticos e legais de engravidar após os 50

Legislação brasileira em reprodução assistida

No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) recomenda limite de 50 anos para gestação usando óvulos próprios. O uso de óvulos doados pode ultrapassar essa faixa, desde que haja laudo de equipe multidisciplinar. O caso de Doralice, por ter sido natural, não necessitou de autorização, mas reacendeu o debate público sobre a conveniência — ou não — de colocar limites etários.

Debate bioético

  • Autonomia reprodutiva: toda mulher tem direito de decidir quando e se quer ser mãe.
  • Princípio da não-maleficência: profissionais devem minimizar riscos maternos e fetais.
  • Responsabilidade parental prolongada: a criança pode enfrentar ausência dos pais em idade escolar.
  • Justiça social: altos custos de FIV podem aprofundar desigualdades.
  • Doação anônima de gametas: garantir sigilo e consentimento informado.
Curiosidade: A mãe mais velha registrada pelo Guinness World Records tinha 73 anos em 2019, após FIV com ovodoação na Índia.

Impactos psicossociais: maternidade madura e qualidade de vida

Benefícios percebidos

Pesquisas da Universidade de Copenhagen indicam que mães acima dos 45 relatam maior estabilidade emocional, melhor rede de apoio e capacidade financeira superior à média. Além disso, a maturidade contribui para decisões parentais mais ponderadas e fortalecimento de vínculos intergeracionais, pois os avós, quando vivos, se tornam figuras chave.

Desafios cotidianos

  1. Energia física reduzida para lidar com a demanda neonatal.
  2. Preocupação com a longevidade e quem cuidará da criança caso algo aconteça.
  3. Choque geracional: tecnologias e linguagem podem criar “barreiras digitais”.
  4. Preconceito social, sobretudo em cidades menores.
  5. Pressão psicológica por parte de familiares mais jovens.
  6. Necessidade de reorganizar carreira ou aposentadoria.
  7. Planejamento financeiro de longo prazo para além dos 80 anos.

É fundamental que o casal estabeleça uma rede de apoio que inclua cuidadores, padrinhos responsáveis e, se possível, seguro de vida com cobertura educacional para o filho. A terapia familiar, recomendada pelos psicólogos do Conselho Federal de Psicologia, ajuda a ajustar expectativas.

Dicas práticas para quem sonha em ser mãe depois dos 40

Gravidez tardia

Se você almeja a maternidade em idade avançada, adotar uma postura proativa é imprescindível. A seguir, um roteiro baseado em consenso de sociedades de reprodução humana:

  • Procure avaliação pré-concepcional completa (níveis hormonais, glicemia, função renal).
  • Mantenha índice de massa corporal entre 20-29 para reduzir risco de diabetes gestacional.
  • Fortaleça musculatura pélvica com fisioterapia e ioga para facilitar parto.
  • Atualize calendário vacinal (rubéola, hepatite B, covid-19, influenza).
  • Invista em suplementação de ácido fólico e vitamina D, prescritas por médico.
  • Considere congelamento de óvulos antes dos 35 para ampliar possibilidades futuras.
  • Busque clínicas credenciadas pela RedLara para procedimentos de FIV.

Outra recomendação é participar de grupos de apoio on-line e presenciais. Eles oferecem troca de experiências, suporte emocional e dicas de acessibilidade a convênios ou programas de financiamento para reprodução assistida. Pesquisas indicam que mulheres que participam de suporte comunitário apresentam 23 % menos sintomas de ansiedade durante o pré-natal.


FAQ — Perguntas frequentes sobre gravidez tardia

  1. É possível engravidar naturalmente após a menopausa?
    A chance é extremamente baixa (menos de 0,01 %), mas casos como o de Doralice mostram que, em situações raríssimas, pode ocorrer recanalização tubária e liberação esporádica de óvulos.
  2. Quais exames são essenciais antes de tentar uma gravidez depois dos 45?
    Avaliação cardiológica (ECG, ecocardiograma), função tireoidiana, glicemia, sorologia para doenças infectocontagiosas, ultrassom transvaginal e estudo da reserva ovariana (AMH).
  3. Os riscos de Síndrome de Down aumentam quanto?
    A probabilidade sobe de 1:1.480 aos 20 anos para 1:30 após os 45, tornando obrigatórios testes genéticos (NIPT, biópsia de vilo corial ou amniocentese).
  4. Existe idade limite para FIV no Brasil?
    Não há lei específica, mas o CFM recomenda limite de 50 anos para óvulos próprios. Para ovodoação, o critério é risco clínico avaliado por equipe.
  5. Quanto custa um ciclo de FIV?
    Entre R$20 mil e R$35 mil no Brasil, incluindo medicações. Programas de financiamento e clínicas universitárias podem reduzir esse valor pela metade.
  6. Posso usar útero de substituição se tiver problemas médicos graves?
    Sim, desde que atenda à Resolução CFM 2.320/2022, que exige laudo médico justificando a impossibilidade gestacional e parentesco até quarto grau com a cedente do útero.
  7. Qual é o tempo de recuperação depois do parto em idade avançada?
    Cesáreas podem demandar até 12 semanas. Partos vaginais, se sem complicações, recuperam-se em 6 a 8 semanas, mas acompanhamento fisioterápico é aconselhado.
  8. Como planejar financeiramente a maternidade tardia?
    Monte fundo de emergência equivalente a 12 meses de despesas, contrate seguro de vida com beneficiário menor de idade e invista em previdência privada focada em longo prazo.


👉 A história de Doralice redefine o conceito de limite reprodutivo e expande nosso entendimento sobre a plasticidade do corpo humano. Ao longo deste artigo, vimos:

  • Os fatores biológicos que tornam a gravidez tardia rara, mas não impossível.
  • Como a medicina reprodutiva oferece caminhos como FIV e ovodoação.
  • Quais são os dilemas éticos, legais e financeiros de ser mãe após os 50.
  • Dicas objetivas para quem planeja adiar a maternidade com segurança.

Se o seu sonho de ser mãe persiste, procure orientação médica, avalie todas as variáveis e construa uma rede de apoio sólida. A ciência evolui diariamente e, assim como Doralice, você pode escrever sua própria história. Compartilhe este artigo com amigas que também desejam entender mais sobre gravidez tardia, inscreva-se no canal do g1 e ative o sino para receber notícias que transformam vidas.

Créditos: reportagem original do canal g1, disponível no YouTube.


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Sim, desde que atenda à Resolução CFM 2.320/2022, que exige laudo médico justificando a impossibilidade gestacional e parentesco até quarto grau com a cedente do útero.
Sobre o Autor
Cassia Freitas
Cássia Freitas é formada em Administração de Empresas, com especialização em Administração Hospitalar. Criadora do blog MaisSaúde10, compartilha informações práticas e confiáveis sobre saúde, bem-estar e qualidade de vida. Apaixonada por ajudar pessoas a cuidarem melhor de si mesmas e de suas famílias, combina vivências pessoais com conteúdo útil e acessível para o dia a dia.

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